Sobre Cegos, Podridão Humana e Críticos
Esquizofrenia

Sobre Cegos, Podridão Humana e Críticos



Antes de ver o filme eu assisti um vídeo da premier do "Blindness" em Portugal, onde o próprio Saramago foi convidado para assistir a mesma versão apresentada em Cannes. O diretor fez questão de levar o filme para o autor do livro, já que o próprio não pode ir a Cannes por problemas de saúde. SARAMAGO (com todas as letras maiúsculas!) ficou tão emocionado, que chorando, elogiou consideravelmente o trabalho fantástico do Fernando. E quando o as idéias da linguagem cinematográficas convergem com o do autor textual, FODA-SE A CRÍTICA! (com todas as letras maiúsculas também!) O Fernando Meirelles foi tão arrebatador, tão vangloriado, tá com o ego tão massageado como sexo tântrico e a auto-estima no nirvana, que depois desse elogio ele pode se aposentar!

E o próprio Saramago negou inumeras vezes a filmagem do seu livro, alegando que o "cinema mata a imaginação". Depois do mesmo ter assistido Cidade de Deus, uma obra de Meirelles retratada do livro "Cidade de Deus" de Paulo Lins, acredito que ele aceitou a proposta por mera curiosidade de um talento com o Meirelles dando seu ponto de vista a obra.

E vale ressaltar: a transliteração é perfeita!

O filme é arrebatador, o visual é excepcional, a fotografia é maravilhosa e as atuações dignas de prêmios! De qualquer maneira, não é um filme de fácil digestão...

O filme retrata uma inexplicável epidemia de cegueira que se alastra por toda uma nação, de crianças a idosos, de pobres aos mais altos cargos políticos, e depois se passa num confinamento, num gueto, onde os doentes acometidos pela "Cegueira Branca" são internados. Aqui ele demonstra uma aula de cinema. A linguagem retratada pela falta de visão da humanidade está nas entrelinhas silenciosas. Os personagens não tem nomes, a nação não tem bandeira, o internato dos doentes é idêntico a um manicômio, piores do que no filme "Bicho de Sete Cabeças".
Ele brinca com a superexposição da luz, enaltecendo o branco espalhado por toda a parte, foca em abstrações pelas tonalidades dessaturadas e demonstra que enxergando ou não, a natureza humana pode facilmente se envolver pelas trevas... Sem falar no viaduto do Chá em São Paulo, completamente abandonado: vazio, imundo, com pessoas perambulando como zumbis, uma apoiada no ombro das outras ou sozinhos e completamente nus (outra metáfora pela falta de visão?)

Destaque pela atuação da Julianne Moore, Marck Rufalo, Danny Glover e Gael Garcia Bernal. O médico tenta usar a razão de todas as formas para acometer a loucura e manter as pessoas sob controle, enquanto o Gael joga a sanidade para o espaço. Danny Glover é um dos poucos que conseguem conviver e vivenciar um universo a parte com seus outros sentidos e Julianne em tentar levar a humanidade rumo a...humanidade. Ela é o unico ser humano que enxerga, que presencia tudo, que testemunha o horror e que como aqueles que não vêem, fará qualquer coisa pela sobrevivencia. Isso está na natureza humana. Não tem monstros aqui, só seres humanos nos seus extremos.
Eu li o livro do Saramago. E sei que o livro é extremamente violento, escatológico e realista. E Saramago escreve em um ritmo diferente de tudo, um jorro de idéias concatenadas e sentimentos profundos expressos em frases imensas separadas por dezenas de vírgulas. o cara quase não usa ponto, fazendo com que o leitor faça sua própria pausa mental. Meirelles transformar isso em um filme sublime e emocionante, faz com que ele seja um dos maiores diretores do mundo, sem falsa modéstia. Mas não dava para simplesmente tentar transmitir o mesmo horror de forma tão verdadeira sem haver censura para menores de 21 anos e proibição de alguns países. Sei que sou exagerado, mas quando uma imagem é relatada numa narrativa e SUA MENTE IMAGINA, vc pode chegar a situações únicas, que nenhuma outra pessoa pode ter a mesma idéia. Como alguém poderia imaginar que por causa de dois olhos, a humanidade perderia a humanidade? Seríamos piores do que primatas, animais, bestas, agindo apenas por instinto? Alguém imaginou isso no cinema?
Meirelles imaginou! No blog dele que recomendei a algum tempo atrás ele fala dos Test Screening que teve no Canadá onde 1/5 da platéia se levantou após a cenas mais forte. (imaginei como David Linch faria um filme desses!)

Claro que escatologia, degradação, estupro coletivo, imundice fisica e psicológica ja é dificil de ser imaginado. Na maioria das cenas foram inteligentemente usado recursos cinematográficos para retratá-las de uma forma menos repulsiva, o que não diminui nada em intensidade! Lembro que existem tb cortes estranhos, tomadas destorcidas ou fora de quadro, dando uma sensação, proposital e incômoda, de que não estamos "enxergando" direito, tamanha é a crueza das cenas e a falta de música (em algumas cenas há musica, meio hipnótica, e em outras os sons são elevados ao máximo. Sensação bem vivida de quem não enxerga e tem os outros 4 sentidos bem apurados).

Ensaio Sobre a Cegueira não é um filme agradável de ser vistos por todos. É realista demais, é extremista, e é necessário para discutir a condição humana, porque a cegueira sempre foi uma metáfora primorosa e a cada ano que passa ela vem sendo utilizada para um futuro apocalíptico. O que nunca deixará de ser o livro e o filme uma obra prima, jogando a merda na cara e no ventilador do espectador e do leitor, da pior da condição humana: o que somos na essência, quando todas luzes, nesse caso, se acendem...

P.S.: A crítica internacional arreganhou com o filme. Infelizmente, ver filmes de Hollywood demais, faz com que enxerguemos de menos.



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