A Lua Vem da Ásia - Campos de Carvalho
Esquizofrenia

A Lua Vem da Ásia - Campos de Carvalho



"Minha tribo é composta pelos meus fantasmas - muitos dos quais nem conheço ainda."

Em meados de abril de 1998, depois de passear, tomando sorvete, pelas alamedas de um tradicional bairro paulistano, Campos de Carvalho, o último dos moicanos da santíssima trindade de nossa prosa - ao lado de Guimarães Rosa e Clarice Lispector - aos 83 anos decidiu que já era hora de morrer. Não se reconhecia mais em parte alguma, muito menos na fala excitada dos poucos admiradores que esporadicamente o procuravam. Enfarto, enquanto dormia. Quem há de recriminá-lo? Pior pra nós. Perdemos um mau-humorado, que, descrente da lógica, de Deus e da existência da Bulgária, escolheu justamente a Semana Santa pra bater as botas.

Seu livro, A Lua vem da Àsia, é um dos marcos da ficação literária brasileira, desconhecida do grande público, editado em 1956. Na posse de um livro reeditado em 1970, que eu achei "coincidentemente" num poeirenta biblioteca municipal, tive viagens, devaneios e alucinações com a incomensurável criatividade do autor. E virei fã! Visto pelo ponto de vista caricato da loucura, não da sua realidade exposta em outros livros que já li, como por exemplo Cantos dos Malditos, que inspirou o filme Bicho de Sete Cabeças, é de uma força, grandiosidade e genialidade que nunca imaginei encontrar. A trajetória de um louco que comete o assassinato de seu professor de lógica e transgride as forças da lei, da impunidade, da omissão, da metamorfose, da omissão, da razão de ser livre, ou da sua incoerencia é fantástico. A primeira parte se passa dentro de um hospício (onde pensa que é um hotel);

Sobre os seus aforismos escritos por ele à noite:

-Os homens, as pulgas e as ratazanas se assemelham nisto: que hoje estão vivos mas amanhã estarão mortos, irremediavelmente mortos, e para sempre.

-O grande pátio onde de manhã tomamos sol nem sempre tem sol, o que demonstra a incúria do governo e a irresponsabilidade daqueles a quem pagamos para que nos dêem sol, já que não nos podem dar a liberdade.

-Se Napoleão Bonaparte não houvesse existido, que seria de seus filhos e netos e de todos os seus sósias e falsos sósias, que se blasonam desses títulos como da coisa mais importante deste mundo? Que o responda seu sobrinho torto, se é que o é realmente.

-A mulher do gerente é vesga mas tem um belo par de pernas, o que não deixa de ser uma compensação. (Não, isto não chega a ser propriamente um aforismo.)

-À noite a lua vem da Ásia, mas pode não vir, o que demonstra que nem tudo neste mundo é perfeito.

-Quando sair daqui, vou matar a pedradas o médico que matou meu irmão no hospital e não foi punido até hoje. Pena que ele não possa ouvir os próprios gritos,pois que é surdo.

-As flores têm o perfume que a terra lhes dá sem ser perfumada. Assim,também nós devemos dar a nossos atos aquilo que não trazemos em nós mas de que somos realmente capazes, e que não morrerá com a nossa morte.

-Como o criado da noite veio apagar a luz do meu quarto, este fica sendo o último aforismo que escrevo, fazendo-o no escuro e sob protesto.

(Apagaram-se as luzes).

E a segunda parte se passa nos mais longíncuos lugares do planeta, ou das suas alucinações, onde ele se auto denomina "cidadão-do-mundo".
Não existe limite para onde a insanidade pode te levar dentro de sua mente, mesmo se vc se perder lá dentro. E a inteligencia dessa natureza consegue ser mais sã, do que nossa vã filosofia.

Em outra oportunidade (caso me arranjem uma outra garrafa) voltarei ainda ao mesmo assunto, que pode parecer monótono a VV. Exas. mas que para nós é vital e direi mesmo único, já que a morte do espírito é mil vezes mais trágica do que a morte do corpo, e que o homem privado da sua liberdade de pensar e de amar vale menos do que a sua sombra num muro - a menos que se trate naturalmente de um muro junto ao qual ele esteja sendo fuzilado, com os olhos bem abertos e a cabeça erguida.

Recomendo a leitura. Download do Livro




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